Amaram-se loucamente! Foi um daqueles furacões que
passam devorando tudo o que está pela frente. Insano, absurdamente insano! Os
olhares... Ah, os olhares eram a coisa mais sensual e envolvente entre os dois!
Paravam alguns segundos entre um afazer qualquer e outro, às vezes meio com a
cabeça torta mesmo, agachados, tanto fazia, e olhavam-se da maneira mais
apaixonante que já existiu. Como sei? Sei porque em certa oportunidade, num ato
de pura sorte, flagrei os dois assim, no mundo deles, mesmo que aquilo fosse
algo secreto, e passei a observar. Como ter algo meramente semelhante é quase
impossível de se conseguir, observar e admirar foi o que me restou (o que,
aliás, é muito se levarmos em conta que até presenciar algo assim é de uma
raridade-agulha-no-palheiro). Voltando. Quando os olhares se cruzavam havia
meio que uma conexão instantânea. Os dois entravam em transe e eram
imediatamente levados a outro lugar, um lugar só deles, imagino, talvez, pela
inexperiência, um jardim ao alvorecer, uma praia num fim de tarde tranquilo,
uma cama quentinha e aquele cheirinho de café vindo da cozinha quando se
acorda. Junto ao olhar havia um sorriso. Não sei se bem um sorriso. Era mais um
riso bem contido e muito singular de satisfação, quase imperceptível, algo à
Monalisa, se eu não estiver meio fora de senso. Nesses poucos instantes eu
sabia que tudo ao redor sumia para os dois. Ao mesmo tempo, olha como são as
coisas, eram nesses poucos instantes que eles se desnudavam para todos ao
redor, escancarados - infelizmente não temos mais tempo para observar, sem
malícias, o que se passa fora da órbita do nosso umbigo. Era nesses poucos
instantes que se contemplava, em primeira fila, uma orquestra louvando com
fervor o Amor.
O tempo - e a gente continua sempre colocando a culpa
nele - o tempo passou e mudou as coisas de lugar. No supermercado eu
a vi comprando algumas cebolas. Logo ao lado dela, duas senhoras conversavam
sobre a morte de um jovem. Vejam como são as coisas! Esse jovem era justamente,
pasmem – ou não, o “ele” do casal apaixonado. Percebi que ela deu aquela
estremecida. Coisa pouca, frise-se. Rabodeolhou, como quem quer
prestar atenção, mas as senhoras logo mudaram o assunto. Ela, meio estarrecida,
fechou a sacola com um nó rápido de destreza, chamou pelo filho e pelo marido
que pegavam contentes alguns tomates, e seguiu, inabalável, o curso que a gente
faz normal para a vida.