domingo, 13 de agosto de 2017
Quase música
Sentou-se na soleira da porta. Violão no
colo. Queria compor algo. Não sabia bem o que. Ensaiou um blues melancólico que
morreu antes da terceira nota. Tentou, em vão, um acorde menor, chorado.
Dedilhou, mas nada soava completo, nada traduzia o que se passava por dentro. A
cena era angustiante de se ver. As pernas se debatiam freneticamente, os olhos
se perdiam com facilidade no tanto-faz de um móvel qualquer. Estralou o
pescoço, os dedos, e voltou a movimentar as pernas com certa insanidade.
Encostou no batente. Olhou para o violão esperando uma resposta, um diálogo,
mas ele não veio. Pensou, então, numa letra. Talvez algo escrito fizesse brotar
uma melodia ou, quem sabe, um acorde, seja lá qual for. “Você que é e que não
é, e, mesmo não sendo, muito me mudou!”, escreveu. Finalmente algo concreto
nisso tudo... Mas isso não era que havia por dentro. Talvez “vazio” expresse
bem o que se passava. Talvez! Solidão, essa palavra que não descreve nada e
que, ao mesmo tempo, retrata todo um escuro e silencioso palácio de espelhos.
Essa sensação de que a liberdade é um fardo pesado demais pra se carregar.
Olhou novamente para o violão. Quem sabe agora houvesse conversa. Não, não
houve. A postos, novamente, tocou firme um sol maior pra tentar animar. O som
ecoou seco e se perdeu ao longe. Quis chorar, contudo, mesmo as lagrimas lhe
fugiram. Sentiu-se, então, num limbo existencial, como se nada mais fizesse
sentido. Ergueu-se, encostou o violão na parede e foi tomar água. Ao abrir a
geladeira, no entanto, percebeu que não tinha sede, apesar da boca seca. Pegou
caneta e papel e voltou mais uma vez à soleira. Virou de costas o violão,
apoiou o papel e passou a escrever sem direção: “Alheio ao tempo, eu chego à
estação sem saber se o trem já partiu ou se ainda nem chegou. Desconfio, aliás,
que não exista trem algum”.
quarta-feira, 9 de agosto de 2017
segunda-feira, 1 de maio de 2017
Solidão
A chuva que cai lá
fora, molhando a terra,
é
a mesma que agora se confunde com minhas lágrimas,
há
muito represadas.
Nos
olhos dos outros, procuro, em vão, alguma compreensão.
Olho
no espelho e, tampouco, consigo encontrar o que procuro.
É
a solidão, com olhar mórbido, quem me fita noite e dia.
É
ela quem me acompanha, de mãos dadas às minhas, pelos caminhos que escolhi.
E
é ela quem eu vejo no olhar de quem me vê.