Passou a vida toda ouvindo que, como uma lagarta, ela deveria recolher-se em seu casulo para, após determinado tempo e distanciamento, poder bailar livre e bela como uma borboleta e ganhar a plenitude dos céus.
Confiando, achou por bem aninhar-se e atravessar uma temporada
consigo mesma. Meditou, refletiu, curou-se, dilapidou-se e trilhou todo um desabitado caminho para, ao final, poder voar por onde quer que lhe
aprouvesse.
Passou consigo mesma um bom par de meses. Leu livros, viu filmes e ouviu
boa música, cercando-se, decerto, dos clássicos de cada uma dessas artes.
Pobre mulher... Quando saiu, não percebeu que apesar de lhe terem
florescido asas, estas não eram como as das borboletas, e, sim, como as de
Ícaro.
Ignorando a mitologia e maravilhada pelo resultado de seu empenho, ela voou muito e cada vez mais
alto. Das alturas tudo era tão prosaico e pequeno. Tudo era tão vulgar!
Quão grande foi sua surpresa quando, uma a uma, as penas foram se
perdendo e suas asas minguando, até sobrarem somente cinzas, as quais não foram suficientes para eximirem-na da inexorável lei
da gravidade.