No velório municipal,
num caixão parcelado em um sem-número de vezes, jaz José à espera do pedaço de terra que tanto
desejou em vida.
Ao lado do corpo,
choram verdadeiramente a mãe e a caçula; próxima ao caixão, a esposa chora.
O primogênito, sentado, remói um rancor.
Ao redor, pranteiam
alguns conhecidos, lamentam-se uns curiosos e todos se esbaldam em clichês.
Lá fora, pelas artérias
da cidade, os carros seguem firmes em seu propósito. Dentro deles, pessoas
olham de passagem para o punhado de gente enlutada.
Virando a esquina, embaixo de uma árvore, dois jovens dão o primeiro beijo e, num hospital, uma mulher dá a luz, enquanto outra, na própria casa, é morta pelo marido.
Longe dali, policiais prendem criminosos, prefeitos assentem aos subornos e morre outro tanto de Josés.
Apartado, pra além do horizonte,
presidentes fazem guerras, plantas realizam fotossíntese, fábricas sonâmbulas
produzem e o sol vem e vai, pontual.
No final, minúsculo, José
deixa apenas carne, vísceras e ossos às vésperas dos vermes.