"Conte-me os seus poemas", esbravejaram
consigo mesmo, em frente ao espelho, os olhos daquele pobre homem.
O corpo todo estava dependurado na pia do banheiro,
o olhar focava fixo pra dentro de si e um fio de água descia da torneira,
escorria lânguido e se perdia pelo ralo escuro.
O rádio tocava um jazz festivo ao fundo e, embora o
compasso acelerado estivesse demasiado alegre, não incomodava o suficiente para
fazê-lo se mover. Em verdade, o sax soava até bastante prazeroso.
Das casas vizinhas, ouvia crianças ziguezaguearem
contentes em volta de uma bola, aproveitando inconscientemente o prazer da
inocência, da genuína diversão e da amizade incondicionada.
Olhou-se fixamente outra vez, escrutinou-se, só que
não havia nele qualquer poema, ou rimas. Nem uma frase solta sequer.
Encheu as mãos com o fio de água que escorria e
lavou o rosto exausto e sem expressão. Em seguida, vestiu um sorriso já meio
gasto e amarelado, fechou a torneira, postou-se ereto e saiu, representando com
maestria o personagem que assentiu viver.
Amei ������
ResponderExcluirMuito bom, reflexivo, o final é pauleira, banho de vida real.
ResponderExcluirProfundo!
ResponderExcluirExcelente! Impossível ler esse texto sem se sentir o protagonista da situação. Amei, Marcinho.
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