segunda-feira, 26 de outubro de 2020

José

 

No velório municipal, num caixão parcelado em um sem-número de vezes, jaz José à espera do pedaço de terra que tanto desejou em vida.

Ao lado do corpo, choram verdadeiramente a mãe e a caçula; próxima ao caixão, a esposa chora. O primogênito, sentado, remói um rancor.

Ao redor, pranteiam alguns conhecidos, lamentam-se uns curiosos e todos se esbaldam em clichês.

Lá fora, pelas artérias da cidade, os carros seguem firmes em seu propósito. Dentro deles, pessoas olham de passagem para o punhado de gente enlutada.

 Virando a esquina, embaixo de uma árvore, dois jovens dão o primeiro beijo e, num hospital, uma mulher dá a luz, enquanto outra, na própria casa, é morta pelo marido. 

Longe dali, policiais prendem criminosos, prefeitos assentem aos subornos e morre outro tanto de Josés.

Apartado, pra além do horizonte, presidentes fazem guerras, plantas realizam fotossíntese, fábricas sonâmbulas produzem e o sol vem e vai, pontual.

No final, minúsculo, José deixa apenas carne, vísceras e ossos às vésperas dos vermes.

 

 

 

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