sábado, 2 de julho de 2016

O beijo




Ontem saí com um amigo pra comemorar mais um dia de labuta incessante e insana. Sentamos e pedimos logo uma caipirinha pra começar bem a conversa e abrir o apetite. Conversávamos, como não podia deixar de ser, sobre o trabalho, maldizíamos alguns desafetos e comentávamos a bonitona que naquele dia desfilou deslumbrante pelos corredores da repartição.
Ficamos nisso por um bom tempo, petiscamos algo pra dar mais sede e a cerveja parecia vir pela metade, tal a velocidade com que o garçom tinha que trocá-las. Lá pelas tantas, já com o riso frouxo e pudor indecente, sentou bem na minha frente um casalzinho, desses recém formados, manja? Chegaram de mão soltas, ele no estilo short e chinelo e ela com um vestido florido e solto, o riso contido, escolheram uma mesa mais afastada - havia pouca gente no local, sentaram-se e pediram uma cerveja.
Estavam de banho tomadinho. Fiquei observando atento cada movimentos dos dois. Era como um bem ensaiado ballet.  A conversa parecia fluir serena e o riso seguia no mesmo balanço. Ficaram nisso por uns 30 ou 40 minutos - talvez menos, talvez mais, confesso que não reparei bem. Mas os corpos queriam ir além, queriam estar juntos, queriam estar emaranhados um ao outro. Não demorou muito e trocaram entre si um beijo daqueles de fazer a matéria desaparecer, daqueles que transportam a gente pra outro lugar, pra outra dimensão. Durou, pra mim, uns 20 segundos. Pra eles, no entanto, tenho certeza que foram umas duas eternidades.
Não, não fui muito feliz ao descrever o beijo. Este é o clímax dessa pequena conversa e, se ficar borocoxô, meio sem sal, tudo estará perdido. Na verdade, eles foram se aproximando lentamente inclinando as cabeças com suavidade, enquanto os olhos foram se fechando no mesmo compasso, os lábios molhados se enroscaram bem devagar, buscando sentir o outro. Uma mordiscada! A mão dela tocou de leve o rosto dele, enquanto ele tocava mansamente o braço dela. Os corações galopeavam errantes! A tonalidade do cheiro dela o deixava em êxtase. Eles se afastam na mesma cadência com a qual se uniram. Olhos nos olhos! Como pude ver tudo isso estando longe e ébrio? De repente, escrevo agora menos do que vi e mais do que vivi. 
Ficaram assim, entre uma conversa e um beijo durante o resto da noite. Os olhares se abraçavam. Já sentiu ver a alma de uma pessoa olhando nos olhos dela? Era assim! Naquele momento, talvez mais do que em qualquer outro - mais até que no sexo, talvez, estavam completamente conectados, fazendo-se um só bem na minha frente.  
As mãos se entrelaçaram por debaixo da mesa. Eu, já sem jeito, mas sem desgrudar a atenção do casal, decidi que era hora de deixá-los. Não que eles tenham me notado. Creio que não notaram nada naquela noite que estivesse fora do local sagrado onde se encontravam. Num estúpido ímpeto, quis levantar para cumprimentá-los. Tolo! Não poderia sequer chegar perto dos dois. Eles não estavam entre nós. Sorte a deles.

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