terça-feira, 19 de julho de 2016

Um caso



Amaram-se loucamente! Foi um daqueles furacões que passam devorando tudo o que está pela frente. Insano, absurdamente insano! Os olhares... Ah, os olhares eram a coisa mais sensual e envolvente entre os dois! Paravam alguns segundos entre um afazer qualquer e outro, às vezes meio com a cabeça torta mesmo, agachados, tanto fazia, e olhavam-se da maneira mais apaixonante que já existiu. Como sei? Sei porque em certa oportunidade, num ato de pura sorte, flagrei os dois assim, no mundo deles, mesmo que aquilo fosse algo secreto, e passei a observar. Como ter algo meramente semelhante é quase impossível de se conseguir, observar e admirar foi o que me restou (o que, aliás, é muito se levarmos em conta que até presenciar algo assim é de uma raridade-agulha-no-palheiro). Voltando. Quando os olhares se cruzavam havia meio que uma conexão instantânea. Os dois entravam em transe e eram imediatamente levados a outro lugar, um lugar só deles, imagino, talvez, pela inexperiência, um jardim ao alvorecer, uma praia num fim de tarde tranquilo, uma cama quentinha e aquele cheirinho de café vindo da cozinha quando se acorda. Junto ao olhar havia um sorriso. Não sei se bem um sorriso. Era mais um riso bem contido e muito singular de satisfação, quase imperceptível, algo à Monalisa, se eu não estiver meio fora de senso. Nesses poucos instantes eu sabia que tudo ao redor sumia para os dois. Ao mesmo tempo, olha como são as coisas, eram nesses poucos instantes que eles se desnudavam para todos ao redor, escancarados - infelizmente não temos mais tempo para observar, sem malícias, o que se passa fora da órbita do nosso umbigo. Era nesses poucos instantes que se contemplava, em primeira fila, uma orquestra louvando com fervor o Amor.  

O tempo - e a gente continua sempre colocando a culpa nele - o tempo passou e mudou as coisas de lugar.  No supermercado eu a vi comprando algumas cebolas. Logo ao lado dela, duas senhoras conversavam sobre a morte de um jovem. Vejam como são as coisas! Esse jovem era justamente, pasmem – ou não, o “ele” do casal apaixonado. Percebi que ela deu aquela estremecida. Coisa pouca, frise-se.  Rabodeolhou, como quem quer prestar atenção, mas as senhoras logo mudaram o assunto. Ela, meio estarrecida, fechou a sacola com um nó rápido de destreza, chamou pelo filho e pelo marido que pegavam contentes alguns tomates, e seguiu, inabalável, o curso que a gente faz normal para a vida.

2 comentários:

  1. Lindo!Perfeito!
    Parabéns, Marcinho!
    Vislumbro neste texto, o embrião de um grande escritor...

    ResponderExcluir
  2. Muito bom, Marcio. Tão sensível! Adorei!

    ResponderExcluir